Contos do Apocalipse Zumbi relata
pequenas histórias da humanidade em busca da sobrevivência em meio ao caos que
o mundo se transformou depois de uma pandemia global. Nossa primeira história
conta como o velho Tom Parson, um senhor de 50 anos, lutou até o último momento
tentando proteger sua propriedade dos zumbis. Você também conhecerá Lenny, um
pai de família que busca incansavelmente uma possível cura para sua filha,
Sofia, que foi mordida por um errante, e tudo enquanto tenta localizar sua
esposa que está desaparecida.
PRÓLOGO
A única certeza que temos na vida é
que a visita da morte é inevitável, mais cedo ou mais tarde ela nos procurará,
sempre. Pode ser através de uma doença, de um acidente, através da violência ou
outras incontáveis formas. Que a morte um dia vem não há dúvidas, porém nunca
poderíamos esperar, literalmente falando, que ela pudesse de fato bater à nossa
porta. Atualmente não há registros de quantos são os sobreviventes, no entanto,
acreditasse que menos de 25% da humanidade ainda esteja viva.
Os principais fatores para que
estejamos quase extintos é a falta de água pura, a escassez de alimentos
comestíveis, medicamentos, e claro, os errantes, humanos que se tornaram uma
espécie de canibais, popularmente conhecidos como zumbis. Ninguém sabe ao certo
sua origem, porém é de senso comum que esta praga precisa ser extinta o mais
depressa possível, isso se não quisermos ser nós os extintos.
Com a falta de pessoas, não demorou
muito para que os combustíveis e a energia elétrica acabassem, isso porque não
havia mais ninguém nas usinas de força para operá-las e alimentá-las. Aqueles
que não foram mortos agora buscavam abrigos em lugares isolados longe de toda
esta desordem.
As usinas nucleares, apesar de
possuírem reatores capazes de abastecer energia por aproximadamente dois anos
sem correrem o risco de derretimento em seus núcleos, entraram em modo de
segurança em apenas três meses e se desligaram automaticamente, e tudo devido
ao acúmulo de energia por falta de consumo.
Nem mesmo os geradores eólicos
escaparam, pois sem lubrificação e manutenção adequada logo eles também
pararam. Como consequência não só a internet, como os telefones e tudo o que
era controlado por computadores agora estão offline.
As estradas estão intransitáveis
após a população tentar utilizá-las como rota de fuga em frustradas tentativas.
Todos os grandes centros urbanos estão desertos, agora são como grandes
armadilhas.
Comunidades menores criaram
barreiras para que nada chegue até elas, partem do princípio “construir abismos
ao invés de pontes”, já outras formaram gangues e milícias, e buscam todos os
tipos de suprimentos, todos mesmo.
Milhares de errantes estão
espalhados pelas cidades. Vivemos num mundo sem leis, a sociedade como
conhecíamos se desintegrou. Uma nova Era começou, a Era da Sobrevivência. Nada
poderia nos preparar para o que aconteceu, nem mesmo nossos líderes poderiam
prever tal catástrofe.
LÁ VEM O SOL
Estados Unidos - Texas
Lá estava ele sentado no pé de uma
árvore, agonizando, sofrendo, olhando para o horizonte o que seria seu último
nascer do sol, apenas esperando a morte chegar. Abaixando a cabeça, ele levou
até seu ferimento uma das mãos e o pressionou. Ao voltar a palma para seus
olhos pode ver o sangue que pingava pelos dedos. Era o sangue de uma mordida,
uma profunda mordida de uma “criança”, mordida esta que faria com que Tom
Parson, um homem de meio século de história, perdesse sua vida. Sua mente
girava como um pião. No fundo sabia que não teria muito tempo de vida, sabia
também que não havia condições de buscar qualquer tipo de ajuda.
- A quem eu estou enganando? Quem
poderia me ajudar – hummm – numa hora destas? Não há nada que possa ser feito.
Só espero – hummmmmmm – DROGA, QUE DOR – que me matem antes de que eu possa
matar alguém.
Agora só lhe restava se lembrar dos
bons momentos do qual a vida lhe presenteara. Com dificuldades, em meio aos
fragmentos de imagens em sua cabeça, se lembrou de como era sua vida antes dos
errantes. Lembrou do nascimento de cada um de seus três filhos, de seus netos e
de quando se casou com Catarina, seu grande amor. Esforçou-se ao máximo para se
manter lúcido.
Antes que seus olhos se fechassem
por completo ele ainda conseguiu ver o sol alaranjado completamente, então em
meio aos gemidos começou a cantarolar uma velha canção:
- Here comes the sun, here comes
the sun and I say, it’s all right.......hummmm.
13 HORAS ATRÁS
Tom acordou assustado em meio
àquela tarde de outubro. Sonhava que filmava Catarina dar a luz a seu quarto
filho. Após os médicos efetuarem a Cesária, uma criança, toda ensanguentada,
saltou do ventre e cravou os dentes nele. - “Malditos pesadelos” – Acordou
praguejou assim que viu que nada daquilo era real.
- Droga, já passa das 5 da tarde.
Olhou para o lado e por uma das
frestas das taboas que bloqueavam a janela, conseguiu ver uma tímida claridade
querendo entrar em sua residência. Levantou-se, e antes mesmo de preparar algo
para comer, se equipou com suas armas, uma faca de caçador, que lembrava uma
pequena espada persa, e um velho, mas mortal Magnum 44 Taurus.
Através de um alçapão, que dava
acesso a parte inferior da casa, localizado na cozinha, ele se deslocou até o
lado de fora da casa e foi até o poço. Tudo que tinha que fazer era verificar
se por ali não havia nenhum errante, descer o balde até o fundo, puxa-lo novamente
e estocar mais um pouco daquele precioso líquido, e foi isso que ele fez, porém
algo de inusitado aconteceu quando ele trouxe o balde à superfície.
- Caramba, caramba, que merda é
esta?
O líquido era bem diferente do que
ele estava acostumado a ver nestes últimos tempos. Era viscoso e escuro,
lembrava a xarope. Não sabia o que era, mas de uma coisa tinha certeza, não era
água pura, principalmente levando em conta o odor. Só tinha uma coisa a fazer,
ir até o local de onde a água vinha, o riacho Pedacinho da Vida.
- Que bom, nada como começar o dia
com surpresas. O serviço de água e esgoto desta cidade está de mal a pior –
brincou com a situação em tom de ironia. Assim que entrou novamente em casa Tom
comeu o que restou de seu almoço, um coelho assado e bebeu um gole de um forte
chá. Antes de sair em busca de uma solução para seu problema ele verificou suas
armas mais uma vez e colocou junto ao corpo um cantil de água e seu chapéu de
cowboy da sorte. Mal sabia ele que sorte era algo que precisaria naquele dia, e
muito.
DESTA ÁGUA NÃO BEBEREI
Quinze minutos de caminhada entre
as matas e um quilometro e meio depois de sua partida, Tom se deparou com
aquilo que um dia foi um riacho. Havia vários corpos humanos dentro do riacho.
Alguns destes ainda nem estavam em estado de decomposição, já outros. Uma pedra
estava fazendo com que os corpos que ali batessem não ultrapassassem a área, o
que resultou num cemitério aquático. A pedra sempre esteve ali, já os corpos
não.
- Acho que teremos que mudar o nome
deste lugar de Pedacinho do Vida para Pedacinhos da Morte - brincou.
Foi então que percebeu que se
encontrava em sérios problemas, isso porque toda a água que ele tinha acesso
vinha deste local, e uma vez que ela estivesse infectada, ela estaria imprópria
para consumo. Aquele riacho era o único lugar da região onde ele poderia se
abastecer.
Sabia o que tinha que fazer,
remover os corpos da pedra a fim de que a água pudesse fluir novamente e assim
seu poço também poder receber água limpa. Não gostava da ideia de ter que mexer
nos corpos, afinal algum deles ainda poderia estar “vivo”. O serviço sujo tinha
que ser feito, quer ele quisesse, quer não.
Apesar de seus 50 anos, Tom não
aparentava a idade, isso porque sempre teve uma vida ativa no campo, uma
alimentação exemplar, hábitos que o tornou um dos poucos sobreviventes, se não
o único, da região. Ele lembrava muito o marinheiro Popeye, não era provido de
altura, em compensação tinha músculos de sobra de dar inveja a qualquer jovem frequentador
de academia. Há alguns anos vinha raspando a cabeça, eliminando assim seus
últimos fios grisalhos. Tomou esta decisão após um errante ter consigo puxá-lo
pelo cabelo.
Pegou sua faca e cortou um galho
grosso de uma árvore próxima. De um lado poderia ser usado como uma alavanca,
de outro como uma lança improvisada. Com suas mãos calejadas ele tomou a
ferramenta e cutucou cada corpo para ver se alguém esboçava alguma reação. Ele
poderia ter usado a lança direto na cabeça dos errantes e acabar com esta
dúvida, porém ele preferia evitar tal atitude, nunca gostou de ferir ninguém,
nem mesmo depois de morto.
A cena dos corpos acumulados no
riacho era digna de um dos capítulos da Divina Comédia de Dante Alighiere, mais
precisamente durante sua passagem pelo inferno. Alguns estavam inchados, com os
olhos saltando a órbita, outros estavam desfigurados como se a carne humana já
não fosse mais carne, mas sim plástico deformado e alguns com partes do corpo
faltando.
- Que droga, odeio este serviço. De
onde vocês vieram? Por que estão aqui? Já sei, estava calor então resolveram
tomar um banho de riacho. Aposto uma caixa de cerveja que estou certo.
Quanto o homem foi retirar o
primeiro corpo da água, puxando o ser cadavérico pelos pés, algo desagradável
aconteceu, as pernas se desprenderam do cadáver. A carne estava se decompondo
devido o tempo que permaneceram no local. Tom sabia que apenas com um pedaço de
pau e com as mãos não conseguiria removê-los. Tinha que usar algo mais plano,
algo como uma grande pá ou uma rede.
De repente um forte barulho chamou
sua atenção, dois tiros, e na sequência mais um e depois nada além do silêncio.
Ele olhou na direção do som e ainda segurando as pernas do morto pensou: “O
barulho veio daquela direção, da direção de casa”.
LAR, DOCE LAR
Mais que depressa ele recolheu seus
objetos, deixando ali apenas o galho e correu cuidadosamente, alguém poderia
estar precisando de ajuda ou na pior das hipóteses este alguém poderia estar
tentando roubar suas coisas. Ao se aproximar de casa ele pode perceber uma
movimentação desagradável, os errantes estavam ali, estavam agitados e isso não
era tudo, eles conseguiram de alguma forma invadir seu lar. A porta da frente
estava no chão, havia sido arrombada, e por cima dela estavam dois zumbis
caídos e imóveis.
- Era o que faltava agora. Como se
não bastasse o problema da água, agora isso. E para piorar o barulho dos tiros
deve atrair mais algumas dezenas de criaturas pra cá. Tenho que ser rápido.
Sua preocupação não era à toa,
afinal todo seu estoque de comida, água, remédios e munição estavam lá dentro.
Agora a suspeita de roubo já não era tão obvia, isso porque os zumbis aos
poucos começaram a vagar cada um para um lado, e isso só podia significar uma
coisa, não havia mais qualquer ser vivo naquele local.
Por ser um homem do campo, Tom
aprendeu a usar a natureza a seu favor, desde criança já sabia fazer armadilhas
para capturar pássaros e outros seres que acabaram virando churrasco. O tempo e
os errantes só fizeram esta habilidade ficar ainda melhor. Agora ele era
praticamente um expert no assunto, sabia criar qualquer tipo de armadilha com
os recursos que tinha em mãos. Muitos militares treinados para sobreviver ao
extremo teriam inveja de suas habilidades.
- Tenho que atrair o máximo deles
para as armadilhas e limpar a área para eu poder entrar em casa, pois não
demorará muito para anoitecer.
Assim ele pegou uma pedra do
tamanho de um punho, prendeu a respiração, mirou o alvo e jogou. – Headshot –
disse dando uma risadinha. O errante ficou procurando quem lhe acertará a
cabeça. Não demorou nada até achar o velho que balança os braços chamando sua
atenção.
- Ei, qualé, traga alguns amigos
para festa também companheiro.
Junto vieram outros quatros zumbis.
O som emitido por eles era como o som de cães rosnando prestes a avançar em sua
presa. Se por um lado eles eram lentos, por outro eram letais quando estavam em
grupo. Era de longe o pior predador que nosso planeta já conheceu.
Ao se aproximarem de Tom, que já
estava estrategicamente posicionado, então pôde se ouvir algo cortando o ar –
fuuuuim – Eles pararam e não conseguiram mais avançar. Isso porque um pedaço de
um duro galho envergado acertou em cheio os cinco no peito prendendo-os entre
os espinhos pontiagudos. Tom só teve o trabalho de tirar sua faca da bainha, ir
por trás de cada um e perfurar suas cabeças.
- Cinco a menos!
Assim aos poucos ele acabou com
outros onze errantes que estavam do lado de fora. Agora ele poderia entrar em
casa e começar a varredura lá dentro. Ele adentrou a casa, tinha que ser
cauteloso nos passos, pois a casa construída há mais de 60 anos denunciava
qualquer um emitindo baralhos vindo das longas madeiras do chão.
A cada passo um novo barulho –
nhéim, nhéim, nhéim – Apesar do barulho Tom também conseguia ouvir as batidas
do seu coração. Ele estava suando frio e não sabia se era pelo esforço da
última luta ou de medo mesmo. A segunda opção era mais provável. “A lanterna,
onde deixei a maldita lanterna?” – pensou. Sabia que não poderia continuar a
busca com aquela iluminação. Então ele se lembrou – “na mesa da cozinha, isso
mesmo, deixei lá a lanterna”.
Como um gato, movimentou-se
lentamente até a mesa e lá estava. Deslocou o dedo polegar pelo botão e um
facho de luz cortou a escuridão, iluminando parte do ambiente. Tom então
verificou tudo a sua volta iniciando assim sua varredura: - Cozinha, limpo - Sussurrou
ainda com a voz tremula.
Com a mão direita empunhou a faca,
com a esquerda segurou a lanterna. Ao chegar no quarto viu um corpo caído no
chão e dois errantes ajoelhados ao lado devorando o pobre coitado. Colocavam na
boca as viceras retiradas do estomagado do rapaz recém morto. O sangue pingando
do maxilar das criaturas era tão horrível de se ver quanto ouvir o som dos
órgãos da vitima sendo despedaçados, rasgados, mutilados. Aquilo tudo era
indescritível. Tom nunca esteve tão perto da morte quanto estava agora. Estava
paralisado vendo aquela monstruosidade.
Um dos errantes percebeu que alguém
de “diferente” os observara. Lentamente o devorador virou a cabeça e voltou o
olhar para Tom. Rapidamente ele pegou sua faca e cravou a lamina em sua
têmpora. O segundo errante sem entender direito o que estava acontecendo também
conheceu a faca de Tom antes mesmo que pudesse olhar para o rosto dele.
Agora que o lugar estava sem
errantes ele pode com calma investigar o corpo daquele rapaz. Com um certo nojo
retirou alguns pedaços estraçalhado do intestino de perto do bolso da calça e
então verificou se descobria algo.
- Oras, oras, o que temos aqui? Um
diário, uma caneta, um isqueiro, alguns remédios e uma foto de uma família
feliz. Ao centro uma garotinha que aparentava 8 anos. Parecia uma princesa de
tão charmosa. Do lado direito uma linda moça latina de aproximadamente 30 anos
e à esquerda o rapaz que ali se encontrava sem vida e sem alguns dos órgãos.
- Vocês pareciam ser felizes. Sinto
muito por você meu jovem.
A noite chegara, Tom limpou toda
aquela bagunça retirando os corpos de sua casa e arrumou, provisoriamente, a
porta. Qualquer coisa era melhor do que deixar seu lar exposto à mata lá fora.
Após quase tudo estar no jeito, Tom acendeu o lampião da sala e deu uma lida no
diário. Descobriu que o rapaz tinha um nome, era Lenny H. Gordan, pai de Sofia
e marido de Maria Mercedes. Eles estavam na estrada já havia um mês desde que
sua comunidade foi invadida pelos errantes. A última anotação fora escrita a
menos de 48 horas e ali não havia qualquer relato de como se separou da mulher
e da filha. Enquanto lia sua lanterna começou a apresentar sinais de que a
bateria estava fraca e ele não pode terminar de ler o restante das anotações:
- Acho que é hora de acender os
lampiões.
Antes que ele pudesse acender o
primeiro lampião, um barulho vindo da cozinha chamou sua atenção. Seu coração
quase saiu pela boca. Acendeu o lampião, empunhou sua Magnum e caminhou lentamente
para verificar de onde àquele misterioso som estava vindo. A cozinha estava
limpa, tirando alguns poucos animais empalhados que faziam parte da decoração,
ninguém mais estava naquela instalação.
- CARAMBA, A JANELA DA COZINHA!!!
Por mais velha que as madeira que
cobriam a janela da cozinha pudessem ser, também não parecia ter sido dali que
veio o estranho barulho. Tom ficou intrigado, não estava louco, sabia que ouviu
algo, foi então que ele pensou em uma possibilidade – “será que restou algum
errante do lado de fora e ele está querendo entrar? ”
- AAAAAAAAAAAAAHHHHH – gritou Tom
com toda sua força.
Tarde de mais. Um errante que
estava na parte inferior da casa, abriu o alçapão da cozinha e conseguiu cravar
seus dentes de leite abaixo da batata da perna dele. Agora caído no chão ele só
pensava em afastar aquela coisa de perto dele. Pegou sua arma, apontou para a
cabeça da criatura e puxou o gatilho desesperadamente por várias vezes. O
primeiro tiro acertou o ombro daquele pequeno ser, os outros restantes foram
todos certeiros na cabeça.
- AI MEU DEUS, MEU DEUS, MEU DEUS.
SANGUE, FUI FERIDO!
Olhando para a mordida ele pode ver
o tamanho do estrago. A parte inferior traseira de sua perna havia sido
estraçalhada. Ali, cravado na carne ainda estava um pequeno e afiado dente
canino. A dor era insuportável. Antes de perder a consciência Tom olhou bem
para o rosto esburacado daquele zumbi e reconheceu a pequena garota, era Sofia,
a menina da foto do diário. Ele apagou.
MOMENTOS ANTES
Há dois quilômetros do riacho, onde
se encontrava Tom naquele momento, Maria e Lenny, que carregava Sofia no colo,
corriam como loucos em busca de um abrigo para cuidar de sua filha. Um errante
conseguiu morder o ombro da garota. O pai da pequena já tinha ciência do que
acontecia com quem era infectado, mas nem ele nem a mãe da garota queriam dar o
braço a torcer. Os sintomas apresentados apontavam que o tempo da garotinha era
pouco. A preocupação de Lenny era tamanha que ele não notara a distância que já
tinham percorrido desde que começaram a fugir do grupo de errantes que os
atacou horas antes.
- Ei, Maria, veja, uma casa, vamos,
quem sabe alguém pode nos ajudar?
Não demorou para o tom de esperança
da voz do rapaz virar desespero:
- MARIA! MARIA! ONDE VOCÊ ESTÁ? –
Começou a gritou ao perceber que sua parceira já não estava mais ali.
Lenny não tinha notado, mas em
alguma parte do trajeto Maria havia ficado para trás. Tentando conter as
lágrimas, ele olhou para a filha e tentou focar seus esforços na criança.
- ALGUÉM EM CASA? POR FAVOR,
PRECISAMOS DE AJUDA! ALGUÉM, POR FAVOR! – tentou argumentar inutilmente
enquanto batia na porta.
Sem saber o que fazer só pensou em
uma coisa, arrombar a porta e buscar remédios para Sofia. Não precisou dar três
soladas naquele pedaço de madeira para que ela viesse abaixo. Pronto, eles
conseguiram entraram, agora era só fazer uma rápida varredura e começar os
cuidados com a criança.
- Minha filha, descanse aqui, o
papai já volta.
Em poucos segundos ele percorreu
toda casa, ela estava limpa de infectados, pelo menos por ora. Sem se dar
conta, enquanto Lenny chamava por Maria, ele conseguiu atrair a atenção de
alguns errantes que estavam por ali.
-
Wuâââââââââââââââââããããããã...........
Ouvindo àquele som familiar ele foi
até a porta e viu dois zumbis entrando. Rapidamente ele sacou seu 38 e deu dois
tiros certeiros na cabeça. Ambos caíram e ficaram por ali mesmo. Com passos
acelerados ele vasculhou a casa em busca de algum lugar seguro. Olhando para o
chão da cozinha achou algo diferente, parecia uma passagem subterrânea. Se
aproximando mais pode ver que era um alçapão. Ele o abriu. - Que bom, acho que
a Sofia ficará em segurança aqui enquanto procuro Maria.
Voltou até o local que tinha
deixado a pequena: - Filha, filha, acorda filha, vem no colo do papai. Tudo vai
ficar bem, eu prometo. – Disse estas últimas palavras com lágrimas nos olhos.
Com todo cuidado ele desceu Sofia até a parte inferior da casa e a acomodou.
Seu coração estava apertado, não queria deixar a filha ali, mesmo que por uns
instantes, mas também não poderia deixar sua parceira lá fora. Dali alguns
instantes Sofia já não seria mais a mesma, mas isso o pai da garota jamais
saberia. Lenny saiu do local, fechou o alçapão e antes de procurar a mulher
resolver buscar alguma arma ou munição extra que pudesse ajudá-lo. No quarto
achou um baú, soldado ao chão e lacrado com um cadeado.
Independentemente do que tivesse
lá, tinha que ser algo de útil, afinal estava bem guardado. Abriu o tambor de
sua arma e viu que ainda lhe restavam duas balas.
Mirou com todo o cuidado para não
errar o alvo e atirou. O impacto da bala foi o suficiente para quebrar a
tranca. Com certo esforço abriu a pesada tampa e pode ver o que de tão precioso
havia ali. Três mechas de cabelos, duas enroladas em uma fitinha azul e uma outra
mecha numa fitinha rosa, três pequenas correntes de ouro, onde o pingente era
um dentinho de criança, fotos de toda uma família reunida, desenhos riscados a
giz de cera no papel sulfite e um álbum de casamento. O restante eram diplomas,
documentos e uma pequena quantia em dinheiro. Nada de remédios, armas ou
munições.
Antes que Lenny pudesse praguejar a
peça que o destino lhe aplicara, o rapaz foi surpreendido por dois errantes que
o pegaram pelas costas. O pobre rapaz não teve tempo de dar qualquer investida,
a última coisa que pode ver antes de morrer foi sua barriga sendo rasgada por
mordidas de um zumbi enquanto o outro continuava tentar morder seu pescoço.
REVELAÇÕES
O dia já estava amanhecendo, alguns
raios de sol tocavam o rosto do velho agora todo ensanguentado. Aos poucos ele
abriu os olhos e se lembrou do que aconteceu nas últimas horas. Ele estava
fraco, não entendia como ainda não havia morrido ou se transformado numa
daquelas coisas: “acho que alguém lá em cima gosta de mim” – pensou. Com as
poucas forças que lhe restaram, se arrastou até a porta, conseguiu destrancá-la
e foi até uma árvore, queria morrer com dignidade. Lá se encostou e ficou
apreciando durante alguns minutos o nascer do sol enquanto cantava uma canção.
- LENNY....LENNY MEU AMOR!
Os gritos de uma mulher, que
mesclava desespero e tristeza, vinham de onde Tom havia deixado os corpos perto
da casa na noite anterior. O barulho chamou sua atenção. Ele olhou lentamente
para o local.
- NÃO, NÃO, MINHA FILHA NÃO! SOFIA,
FALE COM A MAMÃE, SOFIA, SOFIA. NÃO...POR QUÊ! – Desta vez os gritos vieram de
dentro da casa.
- Aqui fora. Aqui.....fora. Por
favor....aqui na......árvore. Socorro! – Tom, que agora expelia sangue pela
boca enquanto tossia, tentou atrair a atenção da pessoa para ele. Suas
esperanças de ser ouvido eram mínimas, porém ele conseguiu.
Correndo ainda em frenesi, a moça
foi até a arvore e achou o velho moribundo. Com lágrimas no rosto e com um olhar
congelante ela perguntou:
- O que aconteceu aqui? Por que meu
marido e minha filhinha estão mortos?
Tom reconheceu aquela linda jovem
latina, era Maria, esposa de Lenny e mãe de Sofia. Na medida do possível,
explicou tudo o que havia acontecido nas últimas horas. Disse que era o dono da
casa e que ela foi invadida pelos errantes, porém ele conseguiu se livrar de
alguns deles através das armadilhas. Quando a palavra “armadilha” foi dita,
Maria enlouqueceu:
- Então você é o responsável pelas
malditas armadilhas? Muito bom isso – ironizou. Saiba que graças a você, eu cai
em uma de suas brilhantes armadilhas durante nossa fuga e quando minha família
precisou de mim eu não estava lá para ajudá-los. Fiquei horas lá dentro de um
maldito buraco tentando sair.
- Elas..... elas são necessárias.
Além disso, graças às armadilhas pude entrar em casa e terminar de matar os
errantes que mataram seu marido. Quanto à Sofia, ela saiu do alçapão da cozinha
e me mordeu, não tive outra escolha a ser......a não ser.... ma...
Maria sabia qual a palavra que ele
buscava, mas não queria ouvir. Sua cabeça estava a mil por hora. A emoção tomou
conta da pobre mulher. Ela não sabia o que iria fazer dali em diante, não sabia
mais como seria seu futuro, não sabia se quer se teria um futuro. A única coisa
que sabia é que aquele velho todo ensanguentado pois fim a sua filhinha, e ela
não queria saber se ela era uma errante ou não, Sofia era e sempre seria sua
princesinha. A última imagem que ela tinha na lembrança de sua pequena ainda era
de quando ela estava no estado Humano de vida.
Tom não tinha mais forças para
falar, mal se mexia agora. Maria não tinha mais psicológico para pensar em
nada. Foi então que a razão sussurrou ao seu ouvido. Dali alguns minutos àquele
homem a sua frente deixaria de ser Humano e viraria um zumbi, um errante, um
morto vivo. O único remédio para esta situação era uma boa dose cavalar de
fratura craniana ou lesão cerebral.
A garota, ainda chorando, levantou
a parte da frente de sua camisa suja de sangue com terra e retira uma arma. Era
o 38 de Lenny, restando ainda uma bala no tambor. Ela se aproxima dele, fica de
cócoras, a ponto de poder ficar olho no olho e aponta a arma para sua testa.
Num último suspiro Tom diz:
- Obrigado.... por.....por....não
deixar que eu ...vire um....deles minha jovem. - Não faço isso por você, velho,
mas sim por Sofia e Lenny.
Ao terminar a frase ela puxa o cão
da arma, coloca o dedo indicador no gatilho e com a mão esquerda abre o maxilar
de Tom. Agora ela afasta a arma da testa dele e enfia o cano da arma na boca do
pobre senhor.
O gatilho foi puxado, o cão da arma
bate na bala. O projétil percorre pelo cano até sair pela nuca daquele
condenado, juntamente com partes de seu cérebro, que fica colado no tronco
daquela árvore centenária.
O barulho do tiro fez com os
pássaros se assustassem e saíssem voando de medo. Maria pôs fim à vida de Tom
Parson e matá-lo deixou-a menos culpada pela morte de seus entes queridos, isso
não porque ela livrou o mundo de um novo errante, mas sim por ter tido a
oportunidade de tirar a vida do homem que matou sua filha. Se ela estava certa
ou não isso já não importava mais, pois sabia que aquele homem morreria de
jeito ou de outro. Em sua consciência ter tirado a vida de Tom enquanto ainda
estava na forma Humana dava à sua vingança um sabor ainda mais especial.
Fim.